sexta-feira, 17 de junho de 2011

05. Princípios Doutrinais, III

Continuo expondo os princípios fundamentais da Igreja em sua doutrina sobre a política. Logicamente, a síntese que apresento se apoia principalmente nos documentos que tratam do tema com maior força magisterial: encíclicas monográficas — todas anteriores ao último Concílio —, os documentos do Concílio Vaticano II, Catecismo da Igreja e outros documentos atuais importantes. Já expus que () a autoridade política dos governantes vem de Deus; () que as leis civis têm seu fundamento na lei natural, numa ordem moral objetiva e () que deve-se desobedecer as leis injustas e combatê-las. Porém a doutrina política da Igreja leva também em conta:

4º: o princípio da tolerância e do mal menor. Nem sempre é possível fazer com que haja uma coincidência entre a ordem moral e a ordem legal da cidade secular, principalmente nas nações em que a maioria dos cidadãos, ao menos em questões políticas, são culturalmente liberais e se guiam sem referência alguma a Deus e à ordem natural. Quando se produz historicamente essa realidade sociopolítica lamentável, os cristãos não devem se conformar de modo derrotista com os males vigentes, como se estes fossem insuperáveis, mas tampouco devem pretender uma cristianização total e imediata da sociedade, na qual só se admitam leis perfeitamente conformes com a razão natural e o Evangelho. Os cristãos, com são realismo, hão de procurar o bem comum com todas as suas forças, mas ao mesmo tempo devem reconhecer o princípio da tolerância em certas questões.

Uma formulação precisa do princípio católico tradicional da tolerância e do mal menor é encontrada em Santo Tomás, que ensina a razão mais profunda desse princípio:
“Deus, mesmo sendo onipotente e sumamente bom, permite que se sucedam males no universo (podendo impedi-los), para que não sejam impedidos bens maiores ou para evitar males piores. Do mesmo modo, os que governam no regime humano toleram retamente alguns males para que não sejam impedidos outros bens ou para evitar males piores”. E cita Santo Agostinho, que considerava prudente não eliminar a prostituição (Summa Theologiæ, II - II, 10, 11). Os bordeis foram chamados de “casas de tolerância”. 
Na encíclica Libertas praestantissimum (de 1888, no. 23) Leão XIII afirma esse mesmo princípio e acrescenta: 
“Quanto maior é o mal que deve ser tolerado à força por um Estado, tanto maior é a distância que separa esse Estado do melhor regime político. Da mesma maneira, sendo a tolerância do mal um postulado próprio da prudência política, deve ficar estritamente circunscrita aos limites requeridos pela razão dessa tolerância, isto é, o bem público. Por esse motivo, se a tolerância causa danos ao bem público ou causa ao Estado males maiores, a consequência disso é sua ilicitude, porque em tais circunstâncias a tolerância deixa de ser um bem”.
No que tange à tolerância, é surpreendente o quão longe estão da prudência e da justiça da Igreja os seguidores do liberalismo. Porque ao concederem ao cidadão uma liberdade ilimitada em todas as matérias [por exemplo, leis que legalizam o divórcio, o aborto, as duplas homossexuais, a eutanásia], perdem completamente todo critério e chegam a colocar num mesmo plano de igualdade jurídica a verdade e a virtude com o erro e o vício”. 
O princípio da tolerância é mal entendido quando se afasta do realismo são, aludido anteriormente, e entra de cheio num realismo débil, que não somente produz leis imperfeitas, mas dá origem a leis injustas, criminosas e contrárias a Deus, à ordem natural e ao bem comum dos homens. A lei iníqua, nesse caso, “já não será lei, mas corrupção da lei” (iam non erit lex, sed legis corruptioSumma Theologiæ I-II, 95, 2).

Há alguns que não entendem suficientemente que as leis corruptas são corruptoras. Assim como as boas leis são caminhos que ajudam o povo a caminhar em direção ao bem, as iníquas o levam à perdição (não necessariamente, evidentemente). Muitas leis iníquas dos atuais Estados liberais — democráticos ou totalitários — são caminhos de perdição para o povo, estão totalmente privadas de validade jurídica autêntica e conduzem à degradação moral e cultural de uma nação, à sua diminuição demográfica, à sua debilitação e sujeição a outros povos mais fortes. É muito difícil considerá-las, em consciência, como males menores que devem ser tolerados. 

Os católicos devem aplicar o princípio da tolerância com um discernimento cuidadoso, que deve estar livre dos condicionamentos mundanos, que são falsos, sutis, contínuos e muito poderosos. Pode iluminar-nos nessa questão tão delicada o ensinamento concreto que dá João Paulo II ao tratar das leis reguladoras do aborto. Na encíclica Evangelium vitæ, de 1995, ele começa por advertir que “na cultura democrática de nosso tempo difundiu-se amplamente a opinião de que o ordenamento jurídico de uma sociedade deveria se limitar a perceber e assumir as convicções da maioria e, portanto, basear-se apenas no que a maioria mesma reconhece e vive como moral” (ver o número 69, da encíclica).
O Papa rechaça essas doutrinas e afirma que “a raiz comum de todas essas tendências é o relativismo ético que caracteriza muitos aspectos da cultura contemporânea. Não falta quem considere esse relativismo como uma condição da democracia, já que somente ele garantiria a tolerância, o respeito recíproco entre as pessoas e a adesão às decisões da maioria, enquanto as normas morais, consideradas objetivas e vinculantes, levariam ao autoritarismo e à intolerância” (número 70).
João Paulo II reconhece, todavia, que “certamente, a responsabilidade da lei civil é diversa e de âmbito mais limitado que a da lei moral (...) Com efeito, a função da lei civil consiste em garantir uma convivência social ordenada a uma verdadeira justiça, para que todos ‘possamos viver uma vida tranquila e agradável, com toda piedade e dignidade’ (1Carta de São Paulo a Timoteo 2, 2)” (número 71).
Mas as leis mais criminosas, como já vimos, devem ser não somente desobedecidas, mas combatidas com intensidade, já que nunca podem ser toleradas em razão do mal menor. Concretamente, segue dizendo o papa, “o aborto e a eutanásia são crimes que nenhuma lei humana pode pretender legitimar. Leis desse tipo não só não criam nenhuma obrigação de consciência, mas, pelo contrário, estabelecem uma grave e precisa obrigação de que se lhes façam oposição mediante a objeção de consciência. Desde as origens da Igreja a pregação apostólica inculcou nos cristãos o dever de obedecer às autoridades públicas legitimamente constituídas (ver a Carta de São Paulo aos Romanos 13, 1-7, e a 1 Carta de Pedro 2, 13-14), mas ao mesmo tempo ensinou firmemente que ‘deve-se obedecer antes a Deus do que aos homens’ (Atos dos Apóstolos 5, 29). Já no Antigo Testamento, precisamente em relação às ameaças contra a vida, encontramos um exemplo significativo de resistência à ordem injusta da autoridade. As parteiras dos hebreus se opuseram ao faraó, que havia ordenado matar todos os recém-nascidos varões. Elas ‘não fizeram o lhes havia mandado o rei do Egito, e pouparam a vida dos meninos’ (Livro do Êxodo 1, 17). Mas é necessário assinalar o motivo profundo de seu comportamento: ‘as parteiras tinham temor a Deus’ (ibidem)”.
“Então, no caso de uma lei intrinsecamente injusta, como é o da que admite o aborto ou a eutanásia, nunca é lícito submeter-se a ela, nem participar numa campanha de opinião a favor de uma lei semelhante, nem dar-lhe o sufrágio do próprio voto”.
Um problema concreto de consciência poderia dar-se nos casos em que um voto parlamentar resultasse determinante para favorecer uma lei mais restritiva, quer dizer, dirigida a restringir o número de abortos autorizados, como alternativa a outra lei mais permissiva já em vigor ou em fase de votação (...) No caso exposto, quando não for possível evitar ou ab-rogar completamente uma lei abortista, um parlamentar, cuja absoluta oposição pessoal ao aborto seja clara e notória a todos, pode licitamente oferecer seu apoio a propostas encaminhadas a limitar os danos dessa lei e diminuir assim os efeitos negativos no âmbito da cultura e da moralidade pública. Com efeito, agindo desse modo não se presta uma colaboração ilícita a uma lei injusta; antes bem se realiza um intento legítimo e obrigado a limitar seus aspectos iníquos” (número 73).
Fica claro, pois, este princípio doutrinal: a tolerância do mal menor em questões políticas e em outras é moralmente lícita, e às vezes é um dever de consciência, quando o cristão se vê na obrigação de escolher entre dois males, um maior e outro pior. Ainda que, tratando-se de opções políticas, possa também ser lícita às vezes a abstenção do voto. E nunca a tolerância ou a abstenção eximem do grave dever de combater as leis injustas, procurando sua derrogação. 

Os partidos que defendem sempre o mal menor, (aos que podemos chamar de “mal-menoristas”) todavia, corrompem o princípio da tolerância do mal menor quando o transformam na estratégia sistemática de sua atividade política. Javier Garisoain o explica bem em seu artigo Doutrina e tática do mal menor. Entendemos aqui por partido “mal-menorista” o partido que seja cristão-liberal, quer dizer, aquele que, tendo alguma filiação cristã — por isso chega a ver o mal como mal —e contaminado também por uma visão liberal — por isso vê o mal como menor —, considera sistematicamente o mal menor como tolerável, de tal maneira que não se empenha realmente em combatê-lo e superá-lo com o bem. Sua ideia de tolerância no é a da doutrina da Igreja, mas a do liberalismo, a do relativismo ou a dos filósofos como John Locke (na Carta sobre a intolerância, 1689). 

Um partido “mal-menorista” pode canalizar indefinidamente os votos dos católicos, tendo muito cuidado para que não se organizem para atuar com força no campo político. Talvez — principalmente se há eclesiásticos envolvidos — justifique sua posição alegando que deve-se evitar um enfrentamento da Igreja com o mundo moderno. Desse modo, colabora não somente com a degradação do mundo secular, mas também com a debilitação progressiva da Igreja. 

O “mal-menorismo” não o combate o mal, nem promove com eficácia o bem comum. Não combate com todas as forças o mal, nem o menor nem o maior. Faz do mal menor um pressuposto histórico necessário, contínuo, progressivo, irreversível e insuperável. E com o passar dos anos, optando uma e outra vez pelo mal menor entre os diversos males oferecidos como opções políticas pelos inimigos de Deus e do homem, vai retrocedendo sempre, vai descendo por uma escada de males menores cada vez maiores. O “mal-maiorismo” e o “mal-menorismo” são como o acelerador e o freio de um mesmo carro, e ambos estão de acordo em relação à direção para a qual o volante indica. 

Desse modo, o “mal-menorismo” se deixa conduzir pelos maus, que sempre tomam a iniciativa, e colabora para que o povo seja conduzido ao mal maior, ao mal comum, à corrupção da vida social, à degradação dos pensamentos e dos costumes. Passará por tudo antes de ver-se afundado no sheol da marginalização política. Está disposto a pagar qualquer tributo, contanto que se mantenha nas instituições públicas e, se possível, no poder; se não, ao menos numa oposição quantitativamente considerável. Será uma oposição que não se opõe, e que mesmo chegando ao poder, mantém as leis péssimas estabelecidas anteriormente pelos maus. Compreende-se bem que o idealismo dos jovens católicos não encontre atrativo algum num partido que, renunciando a procurar eficazmente o bem, limita-se a reduzir o mal tanto quanto seja possível. Um partido assim poderá atrair principalmente pelas vantagens que oferece no campo econômico, social e profissional.

A tolerância “mal-menorista” leva a um pacifismo extremo. Ignora que as leis injustas dos Estados monstruosos devem ser não só desobedecidas, mas também combatidas tanto quanto seja possível.

1. As batalhas armadas, é certo, como já assinalei, quase nunca podem reunir hoje as condições exigidas para uma guerra justa. Mas esses pacifistas tolerantes se envergonham até daquelas guerras que foram justas e necessárias, como as que defenderam a Europa da invasão do Islã — Poitiers, Navas de Tolosa, Lepanto. Se fosse por eles, a Europa estaria hoje não cheia de catedrais, mas de mesquitas. Mas há mais.

2. As batalhas culturais, tão decisivas, tampouco são travadas pelo “mal-menorismo”, que renuncia a apresentar um combate real no Congresso, nos meios de comunicação, nas escolas e universidades e no campo da saúde pública. Mesmo que [o “mal-menorismo”] chegue ao poder político, essas batalhas da cultura seguirão perdidas, pois, podendo fazê-lo, nem sequer as combate. Não se atreve a dizer a verdade, supondo que a conheça. Conforma-se, se é o caso de levar recursos ao Tribunal Constitucional, com organizar um Congresso acadêmico ou uma manifestação — tudo isso está bem —, e com aduzir no debate político argumentos débeis que, ao silenciar a verdade, estão de antemão condenados ao fracasso. Pensa talvez que em formas mais combativas fariam um fraco serviço à Igreja, confrontando-a com o mundo relativista imperante, e que estabeleceria uma tensa divisão onde há pacífica unanimidade social no erro liberal-relativista... Eu não chego a imaginar que erros e horrores pensa, mas é certo e comprovável que:

O “mal-menorismo” se nega a dar testemunho da verdade, e isto lhe torna impotente para procurar o bem, que nem sequer intenta [procurar]. “Eu vim ao mundo para dar testemunho da verdade”, disse Cristo (Evangelho de São João 18, 37), e essa é a vocação de todo cristão. Mas um partido político que não se atreve a dizer publicamente a verdade; que não se atreve a afirmar com força o vínculo necessário que sujeita o mundo criado a seu Criador (constituição dogmática Lumen gentium no. 36); que se autoproíbe até mesmo mencionar o nome de Deus, exilando-O da vida política; que se abstém de aduzir os argumentos poderosíssimos da ordem natural e das tradições nacionais; e que, ao contrário, durante decênios se orienta pela tolerância do mal menor, limitando-se a aceitá-lo — primeiro, talvez, como hipótese possibilista —, e finalmente a apoiá-lo — como tese liberal que assimila —, é um partido que na realidade se submete à ditadura do relativismo, própria de uma democracia liberal. É uma peste para a nação. 

Deste modo, o “mal-menorismo” colabora para que o voto dos católicos favoreça a ruína acelerada da nação, consegue a anulação total dos católicos na vida pública dos povos e põe a espécie do político católico em grave perigo de extinção. Há alguns anos a representante de um partido “malmenorista” respondia aos jornalistas que lhe perguntavam por que seu partido se opunha a uma ampliação dos pressupostos legais para o aborto: “Pensamos que não há uma verdadeira demanda social por ela”. Inefável... Os políticos católicos incapazes de dar testemunho da verdade irão — e já foram — para a “lata de lixo da história” (como afirmava Leão Trotsky). 

Tudo isso que digo pode ser verificado, por exemplo, na legalização do “matrimônio” homossexual. As leis pró-gays sempre têm sido possibilitadas por sucessivas batalhas culturais prévias, nas quais se integravam escritores, cantores, partidos políticos de esquerda, atores, cinema, televisão e imprensa. As conquistas-derrotas ocorridas no campo legal têm sido sempre precedidas por vitórias-derrotas no campo sociocultural. Ante esse processo óbvio, normalmente os “mal-menoristas” não combatiam de frente nenhuma dessas batalhas. Quase nem se inteiravam delas. 

O lobby gay, com ações próprias e com as colaborações aludidas, vem impondo a mentira: a união homossexual é tão natural e sã como o matrimônio; é simplesmente uma alternativa sexual. Desse modo, consegue em poucos anos a inscrição civil, a consideração jurídica de “matrimônio”, o direito à adoção, as leis de educação que exigem o ensino de seus erros e horrores a todas as crianças e adolescentes, e a proscrição social e legal — absolutamente intolerante — de professores, escritores, sacerdotes e políticos que afirmem publicamente que o exercício da homossexualidade é um desvio doentio, que vai contra a natureza. A intolerância gay é absoluta: essas pessoas, que eles chamam de homofóbicas, podem ser multadas, depostas de seus cargos e castigadas com o cárcere. Para conseguir a não discriminação dos gays, logrou-se introduzir na legislação discriminações totalmente abusivas, que afetam principalmente políticos (como Rocco Buttiglione), sacerdotes (como o bispo André-Joseph Leónard, o pastor Ademir Kreutzfeld), professores, etcetera.

O partido político “mal-menorista” começa por silenciar a verdade: não menciona Deus, que condena os atos de homossexualidade, não se atreve nem sequer a defender a ordem natural, afirmando que enquanto a união heterossexual é sã, fecunda, boa para a sociedade, conforme com a natureza, a união homossexual, ao contrário, é doentia, insana, estéril para o bem comum e contrária à natureza. Poderia argumentar isto com muita força, porque é de sentido comum e há estudos científicos que o demonstram de modo irrefutável (ver, por exemplo, os maiores de 18 anos, Miguel Calvis, Las prácticas homosexuales). Sucede, todavia, que não é considerado politicamente correto aduzir essas verdades num debate político, nem apresentar com força uma verdadeira batalha cultural. Uma vez mais o “mal-menorismo” retrocede, perde a batalha que não travou, aceita de fato o mal menor, que aqui é maior, e adotando uma atitude débil/tolerante diante da posição forte/intolerante do lobby gay, dá a causa por perdida e deixa que o povo seja induzido pelas leis a avançar por caminhos de perdição e de ruína.

Os católicos devem negar seus votos a partidos “mal-menoristas”, pois estes nem têm força para promover o bem, nem para resistir ao mal. Na realidade, esses são partidos liberais, relativistas, pessimistas, cúmplices ativos ou passivos dos inimigos de Cristo e de Sua Igreja, sequestradores do voto católico, obstáculos especialmente eficazes para impedir todo influxo real dos católicos na vida política e, enfim, são semipelagianos, pois, fiéis à sua “evitação sistemática do martírio”, querem fazer com que na política “a parte humana” seja numerosa e respeitada pelo mundo moderno, para poder assim colaborar com a ação de Deus na procura do bem comum. Dos partidos “malmaioristas” e “malmenoristas”, libera nos, Domine!

As objeções possíveis a tudo isto são tão inumeráveis como previsíveis: “esse diagnóstico conduz à abstenção ou ao voto inútil”. Mas sobre essas e outras questões tratarei no final desta série, quando, com a ajuda de Deus, considerarei o que podemos e devemos fazer hoje os católicos na política.

A unidade nacional dos bispos em questões políticas é muito desejável e benéfica, mas nem sempre alcançam discernimentos unânimes. São muito difíceis. João Paulo II afirma uma grande verdade quando disse: “sem o auxílio da graça, os homens seriam incapazes de ‘discernir a senda frequentemente estreita entre a covardia que cede ao mal e a violência que, na ilusão de o estar combatendo, ainda o agrava mais’” (encíclica Centesimus annus, no. 25; veja também o Catecismo da Igreja Católica, no. 1889). Somente Deus pode iluminar as consciências cristãs em questões políticas, mostrando quando devem tolerar-se como males menores situações perversas ou quando há que resistir a elas, denunciá-las e combatê-las de todos os modos possíveis. E são os Santos que costumam acertar nesses problemas históricos.

Às vezes, dão-se acordos unânimes no discernimento. Os bispos polacos se mantiveram firmes ante o poder invasor comunista, e também os espanhóis de 1936 ante o mesmo perigo. Mas a divisão de opiniões é frequente. Os bispos colombianos do final do século XIX viam o perigo do liberalismo entre os católicos, mas nem todos lutaram contra ele, como o bispo de Pasto, Santo Ezequiel Moreno (+ 1906), que se não renunciou ao ver-se tão desamparado, foi por ordem pessoal de Leão XIII. Na rebelião da Cristiada mexicana (1926-1929), nem todos os bispos apoiavam os cristeros, mesmo que alguns sim, como São Rafael (+1938). Todos os bispos alemães entendiam que o nazismo perseguia o cristianismo, mas nem todos o combateram abertamente, como o bispo de Munster, o Beato Cardeal Clemens von Galen (+1946). Quando a França foi ocupada pela Alemanha, alguns bispos colaboraram com o regime de Vichy, submetido aos nazistas, e outros não; e o general De Gaulle, tendo chegado à presidência, fez todos os bispos colaboracionistas renunciarem. À Constituição espanhola agnóstica de 1978 se opôs o Cardeal Primaz, Mons. Marcelo González Martín, com mais uns poucos bispos; a maioria considerou que convinha aceitá-la como mal menor.

E também hoje se dão entre os bispos discernimentos prudenciais diferentes em questões políticas — isto é óbvio —, pois uns consideram como um mal menor tolerável aquilo que outros consideram como um mal maior intolerável. Essas diferenças de opinião, que tantas vezes se produziram na história, hoje se fazem mais frequentes e profundas por serem insuficientes na Igreja a atualização e o desenvolvimento de sua doutrina tradicional política. 

No século passado, no final dos anos 80, quando a Besta comunista foi derrubada, vários bispos ortodoxos tiveram de renunciar por ter colaborado ativa ou passivamente com o governo marxista. Outros, ao invés disso, não colaboraram, mantiveram-se distantes ou estiveram em campos de concentração. Também um dia, quando for derrubada a Besta liberal, distinguir-se-á entre aqueles bispos que resistiram a ela e a combateram com maior ou menor força, e aqueles que optaram por colaborar com ela, ao menos passivamente, salvando a doutrina, supostamente, mas tolerando muitas injustiças como males menores, dissuadindo os católicos de combatê-la frontalmente e renunciando, sobretudo, a denunciá-la como um sistema “intrinsecamente perverso”, sem Deus e sem ordem natural e, portanto, corrupto e corruptor.

Dessa forma, o que os católicos devemos fazer hoje ante a Besta apocalíptica dos Estados liberais, que ignoram Deus e a ordem natural, e que engendram leis iníquas, uma após a outra? Em cada nação se dão circunstâncias e possibilidades diversas. Eu expressei o meu pensamento, que é o de muitos católicos — com eles aprendi —, ainda que não seja certamente o da maioria. Dá-nos, Senhor, tua luz e tua verdade.


José María Iraburu, sacerdote.
Pamplona, Espanha.
As ênfases no texto em negrito ou itálico são do próprio autor.
Leia na próxima Sexta feira "princípios doutrinais para o católico na política", quarta parte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário